A DECISÃO CONTRA O PIRATE BAY E SUA REPERCUSSÃO SOBRE O FUTURO DO DIREITO AUTORAL NA INTERNET
Quatro diretores do famoso site Pirate Bay(1) foram condenados, na última sexta feira (dia 17 de abril), a um ano de prisão e ao pagamento de indenização no valor de US$ 3,6 milhões (cerca de R$ 7,6 milhões), a título de danos e prejuízos a gigantes da indústria audiovisual (como Warner Bros, Sony Music Entertainment, EMI e Columbia Pictures), por cumplicidade na violação de direitos autorais sobre filmes, jogos eletrônicos e músicas. A Justiça sueca considerou que a lei sobre direitos autorais foi violada porque os condenados auxiliavam milhões de usuários a fazer download de arquivos de música, filmes e jogos de computador protegidos legalmente. O julgamento, que durou três semanas, era considerado um dos mais importantes na luta da indústria do entretenimento contra a pirataria.
Fundado em 2003, o Pirate Bay é um dos sites mais populares da Internet. Estima-se que tenha 22 milhões de usuários. Possibilita a troca de arquivos de filmes, músicas e jogos por meio da tecnologia do bitorrent, que é um protocolo de processamento rápido que permite ao utilizador fazer download (descarga) de arquivos indexados em websites. O Pirate Bay hospeda os torrents, arquivos que funcionam como guias para baixar filmes, músicas e jogos espalhados pela Internet. O usuário, ao utilizar o torrent, consegue reunir vários trechos ou pedações do filme, música ou jogo desejado, que estão alocados nos computadores de outros usuários da rede(2). Nenhum material, no entanto, fica hospedado no servidor do Pirate Bay.
Em razão da peculiaridade dessa tecnologia - os arquivos protegidos por direitos autorais não ficam hospedados no servidor do site -, os seus diretores alegaram que não poderiam ser responsabilizados pela troca ilegal de conteúdo, devendo a responsabilização recair sobre os internautas que realizam o compartilhamento. A indústria fonográfica discorda. Seus advogados alegam que ao financiar, programar e administrar o site, os quatro estão infringindo os direitos autorais dos titulares dos arquivos baixados.
A Corte sueca, como se viu, terminou dando razão à acusação. Todos os quatro diretores condenados haviam sido acusados, pela Promotoria, de “assistir no ato de fazer o conteúdo protegido pelo direito autoral disponível”. A Corte considerou que o compartilhamento de arquivos mediante a utilização dos serviços do Pirate Bay “constitui uma ilegal transferência para o público de conteúdo protegido pelo direito autoral”. A Corte ainda acrescentou que os quatro acusados trabalhavam em equipe, foram advertidos de que material protegido estava sendo trocado por meio do site e que eles auxiliaram e assistiram nas infrações. Ficou assentado na decisão judiciária que os acusados ajudaram os usuários a cometer as informações “provendo um website com sofisticadas funções de procura, simples funções de download através do rastreador ligado ao website”. O Juiz Tomas Norstrom ainda registrou que a Corte convenceu-se de que o site era dirigido com fins comerciais, circunstância sempre negada pelos condenados. “O crime foi cometido de forma comercial e organizada”, disse o Juiz.
Essa não foi uma decisão definitiva. Os dirigentes do site Pirate Bay já anunciaram sua disposição de recorrer para um tribunal superior, o que pode significar que o destino do site não está selado e que uma definição sobre o caso pode levar anos. Analistas duvidam que a decisão restrinja o download ilegal de conteúdo digital na Internet. “Sempre que você se livra de um representante desse tipo de serviço, outro maior aparece. Quando o Napster se foi, vieram diversos outros. O problema é que a troca de arquivos na internet cresce a cada ano, dificultando qualquer ação da indústria”, afirmou o analista Mark Mulligan, especialista da Forrester Research para o setor musical(3). Alguns apontam, ainda, que a inexistência de uma lei internacional para os direitos autorais permite que sites dedicados ao download ilegal de conteúdo protegido simplesmente se mudem para um novo país, se a legislação de seu país de origem ficar mais rígida. Além do mais, existem diversos outros sites que desempenham a mesma função do Pirate Bay. Ele é apenas um dos maiores – e provavelmente o mais emblemático – entre os sites buscadores de torrents que existem espalhados pela Internet, daí que se for fechado(4), não fará muita diferença, uma vez que existem outros locais na rede que oferecem meios para o compartilhamento de arquivos pirateados. É o que argumentam.
É evidente, no entanto, que o recente julgamento representa mais uma vitória das gravadoras e da indústria de filmes na luta que estabeleceram contra empresas e fabricantes de softwares de redes peer-to-peer. A decisão deixa claro, por outro lado, algumas tendências na batalha judicial que vem sendo travada há anos entre essas partes.
Uma das primeiras conseqüências que podem ser observadas como resultado do julgamento sueco é a acertada estratégia processual de mirar nos fabricantes e dirigentes de empresas que facilitam a troca de arquivos digitais. A indústria fonográfica e grandes estúdios de filmes têm tomado medidas judiciais também contra os usuários que compartilham arquivos pirateados. Essa iniciativa, no entanto, tem se mostrado pouco eficaz, além de angariar a antipatia e aversão dos internautas e de grupos e entidades civis ligados à defesa das liberdades civis. Na Europa, por exemplo, a maioria das pessoas parecem inclinadas a defender o direito de troca de músicas e filmes livremente na Internet. Duas semanas atrás, os legisladores franceses rejeitaram um projeto de lei que permitia aos provedores interromper a conexão à Internet de usuários que compartilham músicas e filmes ilegalmente. Some-se a isso o fato de que muitas cortes judiciárias e magistrados têm se negado a autorizar que os provedores forneçam dados pessoais de usuários que trocam arquivos na Internet (se for para processá-los por infração de direitos autorais), sob o fundamento de que pode haver desnecessária invasão da privacidade.
Já quando se trata de acionar empresas e grupos de pessoas que desenvolvem ou distribuem programas e tecnologias que facilitam a troca de arquivos digitais, o resultado das cortes judiciárias tem sido quase sempre favoráveis aos detentores dos direitos autorais. É só lembrar o desfecho de casos famosos, como os julgamentos do Napster, do Grokster e do Kazaa.
A utilização de estrutura descentralizada de tecnologia para troca de arquivos também parece não livrar os distribuidores dos dispositivos e protocolos de algum tipo responsabilização. Como todos se recordam, o Napster foi o primeiro site popular que permitia aos usuários trocarem arquivos de áudio sem ter que pagar coisa alguma. Depois de uma longa batalha judicial, o responsável pela criação do site foi considerado um “infrator colaborativo”, que à luz do direito autoral (copyright law) significa uma pessoa que não pratica diretamente um ato ilícito mas colabora de alguma maneira com a infração cometida por outra. Pesou na decisão da corte norte-americana que julgou o caso a circunstância de que os arquivos de música eram hospedados no servidor do site processado. A partir daí, outras empresas continuaram a fornecer softwares para redes peer-to-peer, apesar do potencial deles para piratear músicas e vídeos protegidos pelo direito autoral, apenas utilizando uma tecnologia de compartilhamento diferente da do Napster, ou seja, sem hospedagem dos arquivos em seu servidor. Foi o caso do Grokster e do Morpheus, que permitiam a troca de arquivos pela Internet, através de conexão entre os próprios computadores dos internautas(5). No julgamento do caso MGM v. Grokster, a Justiça norte-americana acabou(6) aplicando um tipo de responsabilidade solidária e condenado a empresa ré por infração a direitos autorais. A Suprema Corte entendeu que os fabricantes não só tinham conhecimento das infrações cometidas por seus usuários, mas também, ainda que indiretamente, incentivavam essas atividades, devendo ser responsáveis pelos atos resultantes dos terceiros que se utilizavam do produto(7).
Essa é uma linha de pensamento assemelhada à que foi adotada, agora, no caso do Pirate Bay. O site não fornece diretamente os arquivos pirateados, mas nele o internauta pega os torrents, arquivos que funcionam como guias para baixar filmes, músicas e jogos espalhados pela Internet. Ou seja, é evidente que o Pirate Bay auxilia (fornecendo previamente os torrents) a ação do internauta de se conectar para reunir vários trechos ou pedaços dos filme, música ou jogo desejados, que estão alocados nos computadores de outros usuários da rede.
Portanto, a tendência parece ser de que as cortes judiciárias vão considerar responsáveis solidários, no cometimento de infrações a direitos autorais, quem de qualquer forma auxilie, incentive ou assista os internautas a baixarem, embora por seus próprios meios, arquivos ou obras protegidos pelo direito autoral. A disseminação de novos tipos de arquitetura descentralizada para compartilhamento de arquivos não livrará os disseminadores desse tipo de tecnologia da responsabilização. Além do mais, embora não se tenha uma lei internacional (que valha em todos os países) sobre proteção de direitos autorais, as leis dos países nessa matéria são bem parecidas, e quase sempre dão margem à responsabilização solidária com o contrafator direto, quando evidenciada a participação (ainda que indireta) na utilização não autorizada da obra intelectual.
O Pirate Bay apenas provia a tecnologia que aponta para onde os arquivos estão armazenados e obviamente, ao fazer isso, não poderia escapar da responsabilização, já que sua intenção em facilitar a reprodução não autorizada de filmes, músicas e outros conteúdos digitais protegidos era evidente. Diga-se, ainda, que sem a responsabilização das empresas e pessoas que desenvolvem tecnologias com a intenção de serem utilizadas na pirataria de obras intelectuais, será impraticável a proteção dos direitos autorais na Internet. Responsabilizar somente os infratores diretos é tarefa quase impossível, dado o imenso número de internautas (milhões de pessoas) que se utilizam de tecnologias para o compartilhamento de arquivos digitais. A única alternativa prática é ir diretamente contra o distribuidor de dispositivo tecnológico que permite a reprodução ilegal, sob o fundamento da responsabilidade solidária.
A decisão da Corte sueca demonstrou que mesmo empresas que tenham sede ou servidores instalados fora dos Estados Unidos estão sujeitas a sofrerem esse tipo de responsabilização. A recente decisão não significa, entretanto, que os problemas das grandes gravadoras e estúdios de cinema (e titulares de direitos autorais em geral) cessaram por aí ou que tenham vencido a guerra contra os piratas. Mas esse novo precedente demonstra que cortes européias também não estão dispostas a tolerar a facilitação da pirataria.
Os críticos da decisão alegam que a Corte sueca decidiu sob pressão dos EUA. Para alguns usuários, os operadores do Pirate Bay são verdadeiros heróis, que têm contribuído para livre acesso a músicas, filmes e outras produções necessárias à difusão do conhecimento humano. Para a Corte sueca, eles não passam de criminosos.
Recife, 17.04.09.
Notas:
(2) Segundo informação disponibilizada na Wikipedia, “na rede BitTorrent os arquivos são quebrados em pedaços de geralmente 256Kb. Ao contrário de outras redes, os utilizadores da rede BitTorrent partilham pedaços em ordem aleatória, que podem ser reconstituídos mais tarde para formar o arquivo final. O sistema de partilha optimiza ao máximo o desempenho geral de rede, uma vez que não existem filas de espera e todos partilham pedaços entre si, não sobrecarregando um servidor central, como acontece com sites e portais de downloads, por exemplo. Assim, quanto mais utilizadores entram para descarregar um determinado arquivo, mais largura de banda se torna disponível”.
(3) Em reportagem publicada no site G1 da Globo.com, em 17.04.09 – link para a notícia: http://g1.globo.com:80/Noticias/Tecnologia/0,,MUL1088598-6174,00.html
(4) No caso decidido pela Justiça sueca, foram processados os dirigentes do site, pessoas físicas.
(5) Tanto um software quanto o outro (o Grokster e o Morpheus), ambos distribuídos gratuitamente, não necessitavam de um computador (servidor) central para funcionar como mediador na troca de arquivos entre os usuários. Os softwares permitiam que os usuários trocassem arquivos eletrônicos através de redes peer-to-peer, assim chamadas porque os computadores se comunicam diretamente uns com os outros, e não através de um servidor central, como acontecia no caso do Napster. Quando um usuário faz uma pesquisa por algum tipo específico de arquivo (de música, filme ou outro qualquer), a solicitação é enviada para outros computadores conectados na rede, os quais, por sua vez, vão repassando-a adiante até que encontre um computador que tenha armazenado o arquivo solicitado. A resposta é, então, comunicada ao computador que fez a requisição, e o usuário pode a partir daí fazer o download do arquivo, sem a necessidade de um computador central (servidor) que intercepte ou faça a mediação da transferência. Não há, nesse tipo de rede para troca de arquivos, um ponto central que intercepte ou controle as pesquisas e buscas por arquivos, como acontecia com o Napster.
(6) O caso foi julgado pela Suprema Corte dos EUA, no dia 29 de junho de 2005.
(7) Ver, a respeito desse julgamento (MGM v. Grokster), dois artigos que escrevemos, ambos publicados no site do IBDI – Instituto Brasileiro de Direito da Informática, e que podem ser acessados nos seguintes links: http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=75 e http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=64