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A visita da senhora Jahangir


O Brasil recebeu a visita da senhora Asma Jahangir, relatora da ONU (Organização das Nações Unidas) para execuções sumárias. Não sei se depois ela irá à Cuba, mas o fato é que após a rápida visão que teve de nossa realidade, propôs inspeção internacional na Justiça brasileira como modo de sanar problemas detectados
Recebida pelo presidente da República, pelo ministro Nilmário de Miranda (Secretaria de Direitos Humanos) e pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a relatora da ONU teve excelente receptividade. O ministro da Justiça concordou plenamente com ela e acrescentou: “todos sabemos que o Judiciário brasileiro, com todo respeito que temos a ele, não é o Poder Judiciário dos nossos sonhos. Por isso precisamos reformá-lo”. (Folha de S. Paulo, 09/10/03). Já o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, declarou: “O Brasil não tem nada a temer, que esconder da comunidade internacional. Temos é que combater a violação dos direitos humanos” (Folha de S. Paulo, 10/10/03).
De fato o Judiciário não é o dos nossos sonhos, mas convenhamos que o Executivo e o Legislativo também estão longe de ser e nem por isso devem passar por uma inspeção externa. Ao mesmo tempo, não deixa de ser surpreendente a defesa dos direitos humanos da parte do ministro José Dirceu, na medida em que em sua recente viagem à Cuba, como integrante da comitiva presidencial, chegou às lágrimas diante do ditador Fidel Castro, o campeão de antidireitos humanos da América Latina.
De todo modo, a visita da senhora Jahangir relembra o propósito do governo brasileiro de se aproximar cada vez mais da ONU, uma das possíveis maneiras de se contrapor aos Estados Unidos. Mesmo porque, há um crescente antiamericanismo governamental expresso em diversas atitudes hostis, inclusive as protagonizadas recentemente por nossa diplomacia, tanto nas negociações da política agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, quanto na reunião da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em Port of Spain. Infelizmente o Brasil resolveu ideologizar questões que deveriam ser eminentemente pragmáticas, o que poderá nos isolar em vez de fortalecer.
Independente de tais fatos, o aspecto mais preocupante que derivou da visita da relatora da ONU foi o aprofundamento da crise entre os Poderes Executivo e Judiciário. A crise teve início quando o presidente da República, em um dos seus pronunciamentos, falou em caixa preta do Judiciário. Em termos populares nosso mais alto mandatário obteve grande sucesso. Em termos institucionais desgastou a democracia que, entre suas características deve ostentar o equilíbrio dos três Poderes.
E preciso também lembrar que, se a Justiça no Brasil é lenta, direitos humanos são infringidos, nosso sistema prisional é péssimo, as graves falhas do Estado relativas ao seu dever maior que é o de proporcionar segurança a todos os cidadãos são também cometidas pelo Legislativo (onde jaz há treze anos a proposta de reforma do Judiciário) e pelo Executivo no tocante ao combate a violência.
Recorde-se, por exemplo, que o pedido do presidente da Colômbia de declarar as Farc terroristas, não foi atendido pelo presidente brasileiro, ficando com isso intocado o cerne do combate ao narcotráfico. Das prisões de segurança máxima, que seriam construídas para desafogar as penitenciárias existentes, não há notícia. Também não se ouviu mais falar da reforma radical” do Judicário pretendida pelo ministro da Justiça. Enquanto isso, o orçamento das Forças Armadas foi mais reduzido, a Polícia Federal está paralisando suas atividades por falta de recursos, as polícias militar e civil continuam mal armadas e mal pagas. No campo o MST prossegue as invasões e governadores não cumprem mandados de reintegração de posse. Entrementes está sendo discutido no Congresso o desarmamento da população, o que gera um efeito mais de marketing do que de efetivo combate a violência, na medida em que os bandidos continuarão armados diante do povo indefeso. Tão pouco foram implementados os anunciados programas sociais, enquanto os dez milhões de emprego ficaram na poeira das promessas de campanha. E dessas coisas a senhora Asma Jahangir felizmente não tomou conhecimento em sua visita, se tivesse tomado, quem sabe pediria inspeção geral da ONU nos três Poderes.

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