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A crise entre os EUA e a UE em relação ao repasse de dados dos passageiros de aviões


Talvez poucos saibam, mas um complicado problema diplomático se desenvolve atualmente entre o Governo dos EUA e a representação da União Européia. Tem a ver com a política de combate ao terrorismo, estabelecida pelo Governo Bush como prioridade máxima de sua administração. Por meio de seu Secretário do Departamento de Segurança Interna (Secretary of the Department of Homeland Security), Tom Ridge, os EUA requisitaram que as empresas européias de aviação repassem os dados dos passageiros de suas aeronaves, com o alegado propósito de prevenir ações terroristas. Em resposta, o Comissário para o Mercado Interno e Assuntos relativos a Tributação e Alfândega (Commissioner for Internal Market, Taxation and Customs Union issues) da União Européia, Fritz Bolkestein, alegou que a entrega dos dados requisitados poderia violar as leis européias de proteção de dados pessoais.

Desde março deste ano, o Governo americano vem coletando dados dos passageiros de aeronaves com vôos internacionais com destino aos EUA. Os dados incluem os nomes dos passageiros, itinerário, números de cartão de crédito e até a preferência gastronômica da comida servida a bordo dos aviões. O Comissário acredita que a prática dessa coleta de dados viola os princípios das leis européias de proteção à privacidade individual. Segundo Bolkestein, o assunto alcança "direitos fundamentais e liberdades que são constitucionalmente protegidas na lei de vários estados membros da União Européia (conforme entrevista publicada na
Forbes de 02.09.03) . Ele vem buscando garantias do Governo americano de que os dados recolhidos não vão ser utilizados para outros fins nem armazenados indefinidamente. A preocupação é de que dados considerados sensíveis, como preferências religiosas e problemas de saúde, sejam incluídos e utilizados de forma abusiva.

Na prática, pode acontecer que empresas aéreas européias que forneçam os dados sejam multadas pelas autoridades da União Européia - os comissários de proteção de dados, se elas acreditarem que pode haver abuso na utilização das informações. Uma dessas empresas, a
Finnair, já anunciou (em reportagem publicada no EuroActive, de 03.09.03) , que vai fornecer as informações de seus passageiros às autoridades americanas. Ela alega que não tem outra opção. As empresas que fazem vôos entre os EUA e a Europa reclamam que estão no meio de dois sistemas regulatórios diferentes e que, caso não cumpram as exigências, podem, ao contrário, ser multadas pelo Governo americano.

Em discurso proferido no último dia 09 deste mês, em Bruxelas, perante o Comitê do Parlamento Europeu sobre Liberdade e Direitos Civis, Justiça e Assuntos Internos, Fritz Bolkestein lembrou que o problema do repasse das informações envolve questões delicadas. Se de um lado está a legítima política da luta contra o terrorismo e a segurança do transporte aéreo de passageiros, do outro aparece o direito à privacidade e o respeito às liberdades civis fundamentais. Além disso, o problema também envolve as relações EUA/EU e a competitividade das empresas aéreas européias.

O Comissário relatou que, em suas conversas com representantes do Governo americano, conseguiu alguns avanços na forma como as informações vão ser processadas, como, por exemplo:

a) os dados serão manipulados exclusivamente pela Alfândega (United States Customs Services) e pelo Departamento de Segurança nos Transportes (Transportation Security Administration) , sendo que a possibilidade de transferência deles para outros órgãos do Governo americano será examinada caso a caso;

b) a diminuição do tempo de permanência de arquivamento dos dados, antes previsto para 50 anos e agora reduzido para 6 a 7 anos;

c) a criação do cargo de Oficial Chefe de Privacidade junto ao Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security) , o qual deve se reportar anualmente ao Congresso;

e) o compromisso de filtrar e deletar os dados definidos como sensíveis no art. 8o. da Diretiva Européia de proteção de dados pessoais (
Diretiva 95/46/EC).

O Comissário ressalvou que, embora o Governo americano tenha avançado em seus esforços para atender às exigências da UE, um nível de proteção adequada não foi ainda alcançado. Segundo ele, permanecem os seguintes obstáculos:

a) em relação ao princípio da finalidade (purpose limitation): os EUA se recusam a limitar o uso dos dados apenas para atividades de combate ao terrorismo; quer usá-los em relação a quaisquer outras "ofensas criminais graves";

b) em relação ao escopo dos dados coletados: os EUA pretendem coletar 39 diferentes elementos de dados;

c) quanto ao período de permanência de arquivamento dos dados: a UE considera que o prazo de 6 a 7 anos ainda é muito longo;

Por tudo isso, na opinião do Comissário as autoridades americanas não forneceram um nível de proteção adequado. Segundo ele, a UE dispõe de três opções: a) ou continua insistindo que os EUA aumentem o nível de proteção; b) ou negocia um acordo bilateral com os EUA, para construir uma ponte entre os dois sistemas jurídicos; ou c) força as empresas aéreas européias a cessar a transferência dos dados.

O Comissário reconhece que a adoção da proibição da transferência dos dados poderá trazer conseqüências indesejáveis, a exemplo de inspeções adicionais aos passageiros que desembarquem nos EUA, com longas esperas e incômodos para eles. Além disso, as empresas européias podem ser multadas ou mesmo ter seus direitos de pouso em solo americano cancelados.

Frits Bolkestein tem uma reunião marcada para o dia 22 deste mês, com representante do Governo dos EUA, para discutir esse assunto.



Recife, 19,09.03.



p.s.: para acessar o completo discurso do Comissário perante o Parlamento Europeu,
clique aqui.

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