WhatsApp
x
  • Olá, o que deseja buscar?

Artigos atualize-se e recomende!

Voltar

DOS CRIMES DE PIRATARIA COM USO DA INTERNET E SUA REPRESENTAÇÃO, SEGUNDO A LEI 10.695/2003


Este trabalho tem o escopo de analisar a representação criminal nos casos de crimes de pirataria praticados com o uso da internet, segundo dispõe o § 3º do artigo 184 e inciso III do artigo 186, ambos do Código Penal, com redação dada pela Lei 10.695/03.





Nossa análise será restrita a aplicabilidade da decadência nos crimes dessa natureza, bem como sua forma de apuração criminal, nos termos da nova legislação. Passemos então a analisá-la.





Da classificação do crime de pirataria praticado com uso da Internet





Inicialmente, importante distinguirmos o crime de pirataria praticado com o uso da Internet e sua classificação doutrinária, em razão da relevância do tema. A importância reside na distinção clara entre a forma como o crime é praticado e suas conseqüência materiais. Nas palavras de José Frederico Marques, citado por Damásio1 , "(...) além das qualificações legais, a doutrina apresenta outras, tiradas do trabalho construtivo de sistematização científica da teoria do crime. Existem, por isso, vários nomes de delitos indicando categorias dogmático-juridicas onde distinções se estabelecem em razão dos múltiplos elementos essenciais da norma penal e da infração, da estrutura desta e de seu conteúdo".





Dado isso, passemos a classificar o crime previsto no § 3º do artigo 184 do CP. Evidente que a figura típica neste caso ensejaria classificação em diversos pontos da doutrina, porém, por razões objetivas, trataremos somente da questão da permanência do crime e sua reflexão no prazo decadencial para representação. Conforme assevera o eminente jurista, a distinção entre os crimes instantâneos e permanentes tem relevância no terreno da prescrição (CP, art. 111, III), da competência territorial (CPP, art. 71), do flagrante (CPP, art. 303) e no nosso entender, também no campo da decadência do direito de representação, nos termos da legislação processual penal.





Entendemos ser o crime de pirataria praticado com uso da rede mundial de computadores um crime permanente. Não obstante, é de caráter necessariamente permanente. Explicamos.





O caráter de permanência neste caso nos parece óbvia, em razão do meio utilizado e da forma de consecução. O meio "Internet", que se caracteriza pela divulgação de determinada informação através de uma rede de computadores em qualquer parte do mundo, acessível a qualquer pessoa, desde que esteja "conectado" a um provedor de serviços dessa natureza, enseja o caráter de permanência do crime. Permanência esta que se da em razão da divulgação do material pirata de forma ininterrupta, constante.





A conduta tem início, para nós, na forma de consecução, que se dá com a simples divulgação, por exemplo, de um determinado "site" 2 de venda de material pirateado, ou através do envio de um "spam"3 com propaganda de venda desses produtos. Poderíamos entender esta divulgação na rede como uma grande "vitrine", onde os produtos ficam expostos, caracterizando a permanência da infração.





Defendemos assim, que o caráter permanente do crime é necessário, posto que, conforme Damásio4 , "Pode-se falar em delito necessariamente permanente quando a conduta delitiva permite, em face de suas características, que ela se prolongue voluntariamente no tempo, de forma que lesa o interesse jurídico em cada um dos momentos. Daí dizer-se que há essa espécie de crime quando todos os momentos podem ser imputados ao sujeito como consumação".





Parafraseando o autor, nesse crime, qualquer momento posterior ao ato inicial ("colocar o site no ar" em um provedor ou "enviar um e-mail") pode ser designado pela forma equivalente ao particípio presente do verbo da figura típica, em nosso caso "estar violando direito autoral" através da rede.





A conseqüência desse reconhecimento doutrinário está nos reflexos processuais penais causados nos casos de verificação objetiva de prática de pirataria com o uso da rede.





Da forma de apuração do crime - artigo 186, inciso IV do Código Penal





Determina este inciso que os crimes praticados mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro direto ou indireto, serão apurados mediante ação pública condicionada a representação. Isto significa que, não obstante seja a ação penal pública, esta somente poderá ser intentada mediante representação formal ao membro do Ministério Publico, pelo ofendido ou seu representante legal. Conforme bem dispõe a Lei Processual Penal em seu artigo 530-H, as Associações são as representantes legítimas dos direitos autorais violados, estando habilitadas a promover esta representação.





Entendemos que a representação formal, nestes casos, é condição de procedibilidade, onde comungamos do entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho . Não entendemos que seja condição objetiva de punibilidade, até porque a ausência da representação expressa em Lei somente obsta a admissibilidade da ação penal, mas não à apuração objetiva da ocorrência do delito. Assim, entendemos que a ausência da representação pode ser suprimida a qualquer tempo para que se de continuidade à persecução penal.





Importante ressaltarmos que a representação se faz necessária inclusive para a instauração do Inquérito Policial, em razão da natureza do delito, onde o interesse do particular em apurar o fato criminoso se sobrepõe ao interesse estatal na repressão deste mesmo ato.





O prazo para a representação, nos termos da legislação processual penal, é de 6 meses, contados do dia em que a vítima ou seu representante legal veio a saber quem é o autor do crime, sob pena de decadência do direito de fazê-la, que é causa extintiva da punibilidade. Conta-se o dies a quo, sendo este fatal e improrrogável, por tratar-se de matéria de direito penal (art. 10, CP). E aqui reside a proposta de análise do nosso trabalho.





Do crime permanente, da decadência e da representação





Exposto isto, devemos analisar situação fática para que possamos entender o que efetivamente ocorre nos casos em que verificamos a existência de um "site" que coloca a venda ou a disposição de seus visitantes, material contrafeito ou "pirata".





Conforme exposto, a pirataria praticada com o uso da Internet para nós configura crime necessariamente permanente, ou seja, tem início com a disponibilização "online" do site contendo produtos ou com o envio do "spam", e prolonga-se no tempo em razão da forma de consecução, devido a possibilidade de acesso de qualquer pessoa a qualquer tempo.





Entendido também que a Lei determina que nos casos de prática de crime de pirataria com o uso de meios digitais ou análogos deve ser apurado pelo membro do Ministério Publico, mediante representação do ofendido ou seu representante. E que este direito decai em 6 meses, como ficaria a situação do crime permanente? Se este permanece após seu inicio, quando se dará a decadência do direito de representação? Qual o dies a quo (inicial) para o prazo?





A solução quem nos dá é a melhor doutrina. Conforme assevera Mirabete , "Quanto ao crime permanente, a decadência só alcança os fatos praticados antes do prazo de seis meses, pois seria ilógico entender que seus efeitos são perenes, mas há decisões reconhecendo-a nessa espécie de delitos, contado esse prazo da ciência da autoria mesmo que a infração tenha persistido." [grifo nosso]





Da solução aplicável ao caso concreto





Entendemos, portanto, que a decadência é aplicável ao caso previsto no § 3º, do art. 184 do CP. Admitirmos a impossibilidade da decadência nos parece demasiado ortodoxo. A solução que encontramos reside na contagem do prazo a partir da data de registro ou inserção da página onde constam os produtos no site de hospedagem ou, nos casos de "spam", a data de recebimento da mensagem eletrônica pelo destinatário.





Interessante notar, porém, que uma situação peculiar modifica a aplicabilidade da contagem do prazo nesse crime. Ocorrendo a atualização da página na Internet com a inserção de novos preços ou produtos reinicia a contagem do prazo como se novo fosse. Ao nosso ver isso parece óbvio pois, caso contrário, dado ao volume de informações disponível na rede, alguns "sites" poderiam permanecer "ocultos", o que impediria a ação dos titulares de direitos autorais de promover a apuração do delito de pirataria quando o verificassem após os 6 meses de registro destes.





As informações necessárias a esta verificação estão disponíveis na própria Internet, nos sites de hospedagem, que mantêm registros das datas de inclusão de páginas e atualizações de seus usuários. Entendemos que a requisição é legítima da autoridade policial competente, ou diretamente pelo Ministério Público, com fins a efetuar levantamentos preliminares da representação ofertada pelo titular do direito.





No caso de envio de "spam", outra peculiaridade merece atenção: como entendemos ser o dia de início do prazo aquele do recebimento da mensagem pelo destinatário, os titulares do direito autoral violado terão prazos distintos para usuários distintos. Explicamos.





O envio das mensagens de propaganda não autorizada se dá em grande volume e simultâneamente a milhares de destinatários. No entanto, o recebimento dessas mensagens enviadas nem sempre é o mesmo para todos, motivo pelo qual cada mensagem enviada terá um prazo de decadência distinto, o que sem dúvida favorece aos titulares dos direitos no prazo de representação, com a utilização de diversos exemplares de "spam" enviados a diversos usuários distintos. Entendemos que nesse caso a decadência se prolonga no tempo, em razão do volume de destinatários das mensagens contendo propaganda de material pirateado.





Por fim, caso o Ministério Público não ofereça a denúncia no prazo legal, ao ofendido ou seu representante legal só resta oferecer a ação privada subsidiária da pública, posto não ser aplicável ao caso a queixa-crime, por falta de legitimidade. Não podemos esquecer que somente poderá ser proposta dentro do prazo acima assinalado, sob pena de ser inadmissível e sanável sua ilegalidade pela via do habeas corpus.





Conclusão





Concluímos, portanto, que:





a) o crime de pirataria com o uso da Internet é crime permanente, o qual se prolonga no tempo logo depois de iniciada sua execução por estar "violando" direito autoral enquanto estiver exposto na rede;





b) a representação pelo crime deve ser efetuada ao Ministério Público, através das associações protetoras dos direitos autorais violados, que são legítimas representantes legais dos detentores, no prazo máximo de 6 meses;





c) aplica-se a decadência ao direito de representação nos casos de crime de pirataria (violação de direito autoral) praticado com o uso da Internet;





d) o dia do início de contagem do prazo de prescrição deve ser o da data de registro da página em um provedor de serviços ou "sites" de hospedagem, bem como as datas de cada nova atualização efetuada na página;





e) nos casos de utilização de mensagens eletrônicas ("spam") para consubstanciar a representação, o dia do início será o do recebimento da mensagem pelo destinatário, reiniciando-se a contagem do prazo para cada novo destinatário que receba a mensagem;





f) caso o Ministério Público ofereça a denuncia após o prazo decadencial, assiste às associações o direito de intentar a ação penal privada subsidiária da pública, sendo obrigatório, para tanto, respeitar o mesmo prazo, sob pena de se sanar a ilegalidade do ato pela via do habeas corpus.









Notas:





1 JESUS, Damásio E. Direito Penal parte geral. 21º ed. Saraiva. 1998, SP, p. 185.


2 Local ou endereço de um determinado sítio (URL) onde se pode acessar informações de propriedade de um terceiro, através de um computador conectado a um servidor de Internet (provedor de acesso).


3 Nome técnico utilizado para designar o envio de mensagens de correio eletrônico através da Internet, sem a autorização do destinatário destes, geralmente em enorme quantidade, com fins de propaganda comercial.


4 Op.cit. p. 193


5 in MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª ed. Atlas, 2000. SP, p. 113.


6 Op. Cit. p. 146

Categorias