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Enunciado 36-FVC-IMN: art. 22 do CDC - princípio da continuidade do serviço público - não impede corte de energia na hipótese de inadimplência 04/02/2013

Enunciado 36-FVC-IMN: "O princípio da continuidade do serviço público, tal como previsto no art. 22 do CDC, não impede o corte no fornecimento de energia elétrica em caso de inadimplência do consumidor, desde que notificado previamente".


 


Justificativa:
A questão do corte de fornecimento de energia elétrica tem ocupado os debates nas cortes judiciárias. Diante do inadimplemento do consumidor, parte da jurisprudência inclinou-se por inadmiti-lo, ao argumento da essencialidade do bem em questão e da característica de continuidade do serviço de fornecimento de energia elétrica, com apoio no art. 22 do CDC (Lei 8.078/90), que consagra o princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais. O Poder Público ou seu delegado só ficaria autorizado a proceder à cobrança executiva do débito, sob pena de infringir o art. 42 do mesmo diploma, que proíbe o uso de expedientes constrangedores na cobrança de dívidas a consumidores. Essa corrente prevaleceu durante algum tempo na Primeira Turma do STJ, tendo o Min. José Augusto Delgado sido o relator do acórdão padrão que resultou no assentamento desse entendimento (ver o acórdão proferido no ROMS 8915-MA, unânime, j. 12.05.98, DJ 17.08.98).


Todavia, o direito à continuidade do serviço público, como está assegurado ao consumidor no art. 22 (bem como no § 1o do art. 6o, da Lei 8.987/95), não significa que não possa haver corte do fornecimento, mesmo na hipótese de inadimplência do consumidor. A continuidade, aqui, tem outro sentido, significando que, já havendo execução regular do serviço, a Administração ou seu agente delegado (concessionário ou permissionário) não pode interromper sua prestação, sem um motivo justo, a exemplo das excludentes de força maior ou caso fortuito. O dispositivo nem sequer obriga a Administração a fornecer o serviço, mas, desde que implantado e iniciada sua prestação, não poderá ser interrompida se o consumidor vem satisfazendo as exigências regulamentares, aí incluído o pagamento da tarifa ou preço público. O art. 6o, par. 3º, inc. II, da Lei 8.987/95 ("Lei das Concessões dos Serviços Públicos"), deixa isso bem claro, ao dizer que "não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após aviso prévio", em caso de "inadimplemento do usuário, considerado o interesse público".


Como se vê, o corte de energia elétrica é um direito que assiste ao Poder Público ou a seu concessionário, no caso de inadimplência do usuário. Decorre de disposição legal e, por isso mesmo, jamais poderia ser considerado um expediente constrangedor ou qualquer tipo de ameaça ou infração a direitos do consumidor.


Essa questão, no entanto, encontra-se superada, diante do novo posicionamento do STJ, considerando legítimo o corte no caso de inadimplemento do usuário, não caracterizando descontinuidade do serviço essa hipótese (ver, e.g., o acórdão proferido no REsp 363943-MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 10.12.03, DJ de 01.03.04).


 


Enunciado: "O art. 17 da Lei n. 9.427/96 (Lei das concessões do setor de energia elétrica) deve ser interpretado em combinação com o art. 6º, par. 3º, da Lei n. 8.987/95 (Lei Geral das Concessões), de maneira a se conceber que o corte de energia a consumidor prestador de serviço público está condicionado ao interesse da coletividade em preservar o funcionamento de unidades essenciais"


 


Justificativa:
A única hesitação da jurisprudência do STJ, quanto à suspensão do fornecimento de energia elétrica em caso de inadimplemento, perdura em relação aos casos em que o consumidor é pessoa jurídica de direito público (ou prestador de serviços públicos). Em alguns julgados encontramos um impedimento direto ao corte, baseado no argumento de que traz repercussões sobre a comunidade dos administrados:


 


"ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CORTE DE FORNECIMENTO. MUNICÍPIO INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE.


O corte de energia elétrica em prédio do Município atinge não somente aquele ente público, mas o próprio cidadão, porquanto a inviabilidade da utilização do prédio e a conseqüente deficiência na prestação de serviços decorrentes, atinge diretamente todos os munícipes.
O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito (STJ-1ª Turma, Resp 278532-RO, rel. Min. Francisco Falcão, j. 16.11.00, DJ de 18.12.00).

Em outro julgamento, a Corte Superior tem entendido não poder haver corte indiscriminado de energia elétrica, mormente quando provoca prejuízos a toda uma comunidade, pela privação de serviços próprios da Administração e que depende desse bem para seu funcionamento. Aqui, o direito à suspensão do serviço (corte da energia), quando o usuário deixa de efetuar o pagamento da contraprestação ajustada, não é em princípio refutado, até porque decorre de previsão legal. O que se procura impedir são os resultados gravosos decorrentes do corte quando efetuado de forma indiscriminada, assim considerado o que é realizado sem que a concessionária tome as providências necessárias no sentido de preservar os serviços essenciais à população. Desde que essas precauções sejam tomadas, o corte pode ser efetivado. Bem expressivo dessa última corrente é o aresto abaixo ementado:


 


"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE. SUSPENSÃO DO SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
1. A interrupção no fornecimento de energia por inadimplemento do usuário, conforme previsto no art. 6o., par. 3o., II, da Lei n. 8.987/95, não configura descontinuidade na prestação do serviço para fins de aplicação dos arts. 22 e 42 do CDC.


2. Demonstrado nos autos que a fornecedora, ao suspender o serviço de energia elétrica, teve o cuidado de preservar os serviços essenciais do município, não há que se cogitar tenha o corte afetado os interesses imediatos da comunidade local.


3. Destoa do arcabouço lógico-jurídico que informa o princípio da proporcionalidade o entendimento de que, a pretexto de resguardar os interesses do usuário inadimplente, cria embaraços às ações implementadas pela fornecedora de energia elétrica com o propósito de favorecer o recebimento de seus créditos, prejudicando, em maior escala, aqueles que pagam em dia as suas obrigações.


4. Se a empresa deixa de ser, devida e tempestivamente, ressarcida dos custos inerentes às suas atividades, não há como fazer com que os serviços permaneçam sendo prestados com o mesmo padrão de qualidade (STJ-2a. Turma, Resp 302620-SP, rel. p/ o acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 11.11.03, DJ 16.02.04).


 


Como se observa dos termos da ementa, e conforme consta do voto e relatório que integram o acórdão acima transcrito, a empresa concessionária teve o cuidado, ao promover a interrupção no fornecimento de energia elétrica, de preservar os serviços essenciais do município, limitando o corte apenas a alguns prédios da administração pública, resguardando, desse modo, os interesses imediatos da comunidade local. Essa foi a circunstância decisiva para o reconhecimento da legitimidade do corte.


Da leitura da ementa desse julgado, de certa maneira, sobressai a idéia de que a adoção de medidas para amenizar os efeitos do corte não é somente obrigação do Poder Público local ou do Executivo Estadual, mas também da própria concessionária (fornecedora de energia elétrica). Por força do art. 17 da Lei 9.427/96, a suspensão do fornecimento a consumidor que preste serviço público está subordinada unicamente à comunicação prévia (15 dias de antecedência) ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual, que "adotará as providências administrativas para preservar a população dos efeitos da suspensão do fornecimento de energia elétrica". O julgado empresta um novo sentido a essa disposição, na medida em que considera a ação direta da própria concessionária, na preservação da energia aos serviços públicos prestados pelo órgão municipal ou estadual inadimplente.
Um outro julgado podemos incluir nessa segunda corrente, que admite a suspensão (ainda que subordinada a certas condições) do serviço prestado a pessoa jurídica de direito público ou consumidor que preste serviço público. Trata-se de acórdão da relatoria do Ministro Franciulli Neto, onde o eminente relator destacou expressamente sua visão de que, em razão de expressa previsão normativa, é possível a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao usuário que deixa de efetuar o pagamento, depois de regularmente notificado. O impedimento ao corte, no entanto, ficou decidido em função de circunstância particular relacionada ao caso em julgamento, configurada na existência de uma pluralidade de contratos com diversos órgãos municipais, sendo inviável a suspensão de todos eles na ausência de meios para identificar aquele em que ocorreu a efetiva impontualidade. Ao fundamentar o voto do acórdão, o relator destacou que o corte alcançaria tanto os serviços próprios da Administração quanto a iluminação pública do Município. A ementa desse julgado está vazada nos seguintes termos:

"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" e "C" - ADMINISTRATIVO - ENERGIA ELÉTRICA - CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO - FALTA DE PAGAMENTO - SUSPENSÃO DO SERVIÇO - NECESSÁRIA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS UNIDADES CONSUMIDORAS INADIMPLENTES - CORTE INDISCRIMINADO DA ENERGIA ELÉTRICA - IMPOSSIBILIDADE.


Há expressa previsão normativa no sentido da possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica ao usuário que deixa de efetuar a contraprestação ajustada, mesmo quando se tratar de consumidor que preste serviço público (art. 6º, par. 3º, da Lei n. 8.987/95 e art. 17 da Lei n. 9.427/96).


Na hipótese vertente, contudo, verifica-se que, embora exista débito da Municipalidade para a concessionária, a autorizar, em princípio, o corte, a medida ocorreria de forma a prejudicar toda a população da localidade. Ilegal, portanto, a interrupção indiscriminada do serviço, tanto para os serviços próprios da Administração, quanto no que se refere à iluminação pública do Município, porque não especificada na demanda a que unidades consumidoras se refere o débito.
Ausência de similitude fática entre os acórdãos confrontados (STJ-2ª Turma, Resp 400909-RS, rel. Min. Franciulli Netto, j. 24.06.03, DJ 15.09.03) (grifo nosso).


 


Diante desse conjunto jurisprudencial, podemos assinalar as seguintes conclusões:


 


a) o direito da concessionária de suspender o fornecimento de energia elétrica não é absoluto, estando subordinado ao interesse da coletividade, nos termos do art. 6º, II, da Lei n. 8.987/95, que configura uma restrição legal à exceptio non adimpleti contractus;


 


b) o interesse da coletividade pode ficar revelado sempre que o corte implicar em deixar sem energia ruas, escolas, hospitais, repartições públicas ou quaisquer unidades do serviço público que, efetivamente, não podem deixar de funcionar;


 


c) nos casos em que ficar configurado o interesse da coletividade, deve o credor (concessionária de energia elétrica) buscar a satisfação de seu crédito pelos meios executivos convencionais ou pela via da negociação;


 


d) o art. 17 da Lei n. 9.427/96 (Lei das concessões do setor de energia elétrica) deve ser interpretado em combinação com o art. 6º, par. 3º, da Lei n. 8.987/95 (Lei Geral das Concessões), de maneira a se conceber que o corte de energia a consumidor prestador de serviço público está condicionado ao interesse da coletividade em preservar o funcionamento de unidades essenciais;


 


e) em se tratando de consumidor pessoa privada (física ou jurídica) não prestadora de serviço público, a concessionária tem direito de proceder à suspensão diante de inadimplemento, sendo suficiente a notificação prévia, pois em tal situação o corte (em regra) não tem relação com nenhum direto interesse da coletividade;


 


f) o interesse da coletividade, que impede a suspensão do fornecimento de energia, pode excepcionalmente ficar configurado mesmo na hipótese de consumidor privado (pessoa física ou jurídica), caracterizado por circunstâncias peculiares que o distinguem da comunidade dos usuários.

Essas são, em linhas gerais, as premissas que se podem extrair dos dispositivos legais relativos ao corte de energia elétrica a consumidor inadimplente e da análise deles que o STJ - que tem a missão institucional de uniformizar a interpretação da legislação federal - tem feito até o momento.