Corte Especial do STJ vai decidir sobre o corte de energia elétrica 15/09/2003
Os ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram levar à Corte Especial um processo em que se discute a possibilidade de as concessionárias de energia elétrica cortar o serviço por inadimplemento do usuário.
A decisão é importante porque deve servir de respaldo para os serviços de água e telefone. Até o momento, não há posição unânime quanto ao corte desses serviços, que até recentemente era total monopólio do Estado. Há divergência entre Turmas, Seções com posicionamentos diferentes.
No processo que vai à Corte, o Município do Rio de Janeiro busca proibir o corte no fornecimento de energia de qualquer das residências do município. O argumento é que o corte é um grave atentado à dignidade humana. No julgamento da Primeira Turma, a questão ficou empatada em dois a dois.
Uma Turma do STJ é composta por cinco ministros. Antes do julgamento final, o relator Humberto Gomes de Barros sugeriu que o processo fosse levado à Corte. Seu posicionamento é a favor do corte. Para ele, as concessionárias são pessoas de direito privado, que precisam fazer elevados investimentos para se manter.
O ministro José Delgado, ao contrário, mantém forte entendimento a favor dos usuários. De acordo com sua tese, as concessionárias não têm natureza privada. Todas exploram serviço público concedido sob o controle do Estado. A Constituição, para ele, consagra uma ordem intervencionista e as empresas devem seguir o princípio da continuidade.
Delgado defende que as concessionárias busquem outros caminhos que não o corte. "É uma humilhação a que passa o cidadão ver a sua energia cortada no regime de ausência de segurança pública em que estamos, quando a empresa tem vários caminhos para se proteger", defende ele. Seriam caminhos a própria via judicial e os serviços de proteção ao crédito.
A Corte Especial é composta por 21ministros, dos 33 que compõem o STJ. A decisão da energia elétrica deve servir de fundamento para decidir o corte no fornecimento da água e do telefone. A Segunda Turma votou recentemente um processo em que se dava a uma concessionária o direito de cortar a água de uma consumidora, viúva e desempregada. Na Primeira Turma, a jurisprudência é de que não pode haver o corte.
A ministra Eliana Calmon defende abertamente que não cabe ao Judiciário fazer política social. "Toda vez que o Judiciário se mete a fazer política social comete uma injustiça", diz. Para ela, é papel do Executivo, por meio das agências reguladoras, estabelecer políticas que garantam a inserção da população mais carente.
Eliana Calmon defende que se as concessionárias forem obrigadas a manter o fornecimento de água, o supermercado também vai ter que fornecer comida. "É a lógica do capitalismo", sentencia ela. No seu entender, se o Judiciário for abrir caminhos para desempregados, enfermos e pobres, vai inviabilizar qualquer tipo de serviço.
O ministro Luiz Fux, da Primeira Turma, defendeu, em processo que julgou sobre energia elétrica, colocar um freio no modelo capitalista. Ele disse que se fosse julgar um caso de uma pessoa com recursos que se recusasse a pagar a conta, seria o primeiro a votar contra. "Mas o que está em jogo é a sobrevivência de um desempregado", disse ele. "O que vale mais?", pergunta-se. "A vida humana ou a energia elétrica, a dignidade humana ou o corte de energia?" (STJ-1a. Turma, Resp 363943-MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, a turma, por unanimidade, em questão de ordem suscitada pelo relator, decidiu submeter a questão à corte Especial)