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Enunciado 31-FVC-IMN - parágrafo 1o. do Decreto-Lei 911/69, na redação da Lei 10.931/04 - constitucionalidade 04/02/2013

Enunciado 31-FVC-IMN: "É constitucional o parágrafo 1o. do Decreto-Lei 911/69, na redação da Lei 10.931/04" (maioria)


 


Justificativa:
O art. 56 da Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, deu nova redação aos parágrafos do art. 3o do Dec. Lei 911, de 1o. de outubro de 1969, trazendo modificações profundas no que tange ao procedimento atinente à execução judicial do contrato de alienação fiduciária de bens móveis, por meio da ação de busca e apreensão do bem alienado.


A primeira alteração diz respeito à antecipação do momento em que se considera consolidada a propriedade e posse plena em favor do credor fiduciário. Como se sabe, a alienação fiduciária é uma modalidade contratual em que o comprador transfere a propriedade do bem como garantia do financiamento, contudo, essa transferência tem apenas caráter fiduciário. Assim, quem está concedendo o financiamento fica apenas com a propriedade fiduciária (domínio resolúvel) e com a posse indireta, permanecendo o devedor como possuidor direto da coisa, até completar o pagamento da última prestação. Se, no decorrer da execução do contrato, o devedor não cumpre com sua obrigação de pagar o financiamento, a propriedade é consolidada no patrimônio do credor. Uma vez consolidada essa propriedade, o credor pode promover a venda do bem, ficando autorizado a se apropriar do valor correspondente ao seu crédito. Na versão originária do Decreto-Lei n. 911, de 1o. de outubro de 1969 (que estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária), a eficácia da consolidação da propriedade e da posse plena ocorria no momento em que o Juiz proferia a sentença no processo da ação de busca e apreensão (par. 5o. do art. 3o., na versão original). Era a sentença, portanto, que produzia os efeitos constitutivos da consolidação, sendo que antes disso o credor não podia promover a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente. Mesmo eventualmente já na posse dele, por força de decisão (liminar) concessiva da retomada e executada no início do processo, o credor não podia se desfazer do bem, ou seja, não podia vendê-lo a terceiros para se ressarcir do valor do seu crédito. Já agora, em razão da mutação legislativa proporcionada pela Lei 10.931/04, a consolidação da propriedade e posse plena do bem em favor do credor ocorre logo no início do processo, exatamente cinco dias após o cumprimento da liminar que determina a sua retomada, como está a indicar a nova redação do par. 1o. do art. 3o do Dec. 911/69, verbis:


"Art. 3o .............................................................................


§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

Como se observa, o bem móvel retomado consolida-se desde logo no patrimônio do credor-fiduciário, não sendo paga a dívida no prazo de cinco dias seguintes, ficando autorizado a dispor da coisa como bem lhe aprouver. Ultrapassado esse prazo inicial, o devedor-fiduciante não mais tem como impedir a consolidação da propriedade e posse plena em favor do credor, situação que autoriza este último não apenas a vender o bem, mas também a permanecer com ele como integrante de seu patrimônio, para o fim que desejar. Pelas regras atuais, a propriedade e posse plenas se consolidam antecipadamente, havendo uma integração "do bem no patrimônio do credor fiduciário", providenciando-se, quando necessário, a expedição de novo certificado de propriedade em seu nome ou de terceiro por ele indicado. Ocorrendo a consolidação em seu favor, o proprietário fiduciário passa a desfrutar de todos os benefícios que os atributos da propriedade plena lhe conferem, como o direito de usar, gozar e dispor da coisa. No caso, por exemplo, de o bem financiado ser um veículo automotor, a execução da liminar de busca e apreensão já possibilita ao credor (não paga a dívida nos cinco dias seguintes), a dispor da coisa retomada como bem integrante do seu patrimônio, podendo revendê-la para recuperar seu crédito ou simplesmente ficar com ela para uso próprio. Para tanto, a repartição de trânsito onde o veículo estiver registrado expede novo certificado de propriedade em nome do credor ou de terceiro por ele indicado (parte final do par. 1o.).
Essa nova roupagem conferida ao instituto da alienação fiduciária facilita o processo de retomada do bem dado em garantia, em caso de inadimplência do devedor, eliminando certos empecilhos à efetivação do direito do credor, propiciando-lhe de forma rápida a recuperação do valor correspondente ao seu crédito. Sem a consolidação antecipada da propriedade e posse plena já com a liminar (cinco dias após sua execução), o credor costumava enfrentar uma série de dificuldades de ordem prática, verificadas durante a tramitação do processo judicial de busca e apreensão. Muitas vezes, por motivos diversos, ocorria de a sentença demorar a ser prolatada, impedindo a venda imediata do bem, forçando bancos e financiadoras a ficar com veículos apreendidos em seus pátios e estacionamentos durante prazo muito largo, gerando despesas e causando a deterioração dos bens que permaneciam nessa situação. A conseqüência era que, quando finalmente autorizados a vendê-los, o valor apurado com a venda não era suficiente sequer para cobrir os débitos. A antecipação dos efeitos plenos da propriedade e posse do credor para o momento inicial do processo (após cinco dias da execução da liminar) resolve esse tipo de problema.


Há quem enxergue, no entanto, óbice de natureza constitucional à alteração no procedimento da ação de busca e apreensão, produzida pelo par. 1o. do art. 3o. do Dec. Lei 911/69, na nova redação conferida pela Lei 10.931/04. Argumenta-se que, na sistemática anterior, o provimento liminar tinha nítida feição cautelar, porquanto procurava conservar o bem até o final do processo, deixando-o na guarda provisória de depositário fiel, até sentença que consolidava o bem nas mãos do credor-fiduciário. Já agora, o provimento liminar tornou-se definitivo e irreversível, uma vez que consolida antecipadamente o bem no patrimônio do credor e "posterior interferência do devedor-fiduciante no processo, com a apresentação de contestação (par. 3o. do artigo 3o. do Dec. Lei 911/69), limitar-se-á à discussão de eventuais perdas e danos". Restando unicamente ao devedor a possibilidade de discutir perdas e danos, a defesa no procedimento da busca e apreensão perde a utilidade, pois o bem não mais poderá ser recuperado (se já tiver sido vendido pelo credor), em afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa. É o que, em síntese, se coloca contra a antecipação dos efeitos da consolidação da propriedade do credor.


A decisão liminar que consolida a propriedade e posse plena no patrimônio do autor, ao contrário do que se alega, não se torna irreversível. Primeiro porque, no prazo de cinco dias seguintes à sua execução, o devedor tem a faculdade de impedir os seus efeitos, pagando a integralidade da dívida (par. 2o. do art. 3o. do Dec. Lei 911/69) ou purgando a mora (art. 401 do C.C. c/c art. 53, par. 2o. do CDC). Como demonstraremos mais adiante, o direito à purga da mora permanece no procedimento da busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, como decorrência da aplicação de outros dispositivos legais, ainda que não mais prevista expressamente no Dec. Lei 911/69 (na nova redação do par. 2o. do seu art. 3o.). Além disso, como todo e qualquer provimento antecipado, o despacho liminar que determina a busca e apreensão é provisório e pode ser atacado por via de recurso (agravo de instrumento). Considerando-se, por fim, que nem sempre a sentença sobrevém depois da alienação do bem pelo credor, os efeitos da consolidação podem ser desconstituídos antes que provoquem resultados irreversíveis (em termos da impossibilidade de devolução do mesmo bem ao devedor). Portanto, em termos fácticos, se não é impossível é praticamente muito difícil que o provimento liminar produza efeitos irreversíveis, sem que o devedor possa ou tenha meios para evitá-los.
Em termos econômicos, também não se pode dizer que o despacho de busca e apreensão produza efeitos irreversíveis. A própria Lei que regula o procedimento da ação previu uma multa como substitutivo patrimonial pela perda antecipada da posse do bem, na base de 50% do valor originalmente financiado pelo devedor, que o Juiz condena o credor fiduciário a pagamento em caso de improcedência da ação (par. 6o. do art. 3o. do Dec. Lei 911/69, na nova redação). Ademais, o pagamento da multa não exclui a possibilidade de o credor responder por outros prejuízos que a decisão possa eventualmente causar ao devedor, visto que o parágrafo 7o. do art. 3o. ressalva a responsabilidade daquele por perdas e danos. E a título de perdas e danos, o Juiz poderá sempre condenar o credor a entregar bem idêntico, com as mesmas características (de marca, modelo, ano de fabricação, valor etc), compensando, por essa via, a perda da posse do bem primitivamente transacionado. As medidas de salvaguarda para evitar perigo de irreversibilidade que a Lei específica prevê, como se observa, são muitas e eficazes.


Por fim, é importante ressaltar que somente pode se admitir resquício de irreversibilidade fática, na decisão que consolida antecipadamente a propriedade e posse do bem em favor do credor e o autoriza a vendê-lo, em se tratando de bens infungíveis. Mesmo que o devedor não se valha do benefício da purgação da mora e não recorra da decisão preliminar, e o credor realize a venda do bem retomado antes da sentença, a irreversibilidade pode ser considerada na perda da possibilidade de o devedor recuperar exatamente aquele mesmo bem (de qualidades únicas para ele). Ou seja, a liminar somente poderia produzir efeitos fácticos irreversíveis em se tratando de contrato que envolva bens infungíveis. O que se dizer, no entanto, de alienação fiduciária de bens fungíveis, que agora é permitido pela lei nova (parágrafo 3o. da Lei 4.728/65, incluído pela Lei 10.931/04)? Será que se pode considerar que a retomada pelo credor e venda antecipada (para recuperar seu crédito) torna a decisão que a autoriza irreversível? É claro que não. Na sentença que julgar improcedente a busca e apreensão, o Juiz pode condenar, a título de perdas e danos (sem esquecer a multa), que o autor entregue bem de mesma natureza ao réu. Assim, o argumento de inconstitucionalidade do par. 1o. do art. 3o. do Dec. Lei 911/69 (na nova redação da Lei 10.931/04), baseado na irreversibilidade da liminar que antecipa os efeitos da consolidação, perde sua validade por ter sido elaborado de forma genérica, sem atenção à circunstância de que a consolidação antecipada da propriedade de bens fungíveis, por decisão liminar, está indene a resultados de efeitos irreversíveis.